Megaoperação contra Comando Vermelho no Rio tem 64 mortos e 81 presos: o que se sabe até agora
Crédito, EPA/Shutterstock
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- Author, Iara Diniz
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
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Pelo menos 64 pessoas morreram e 81 foram presas nesta terça-feira (28/10) durante uma megaoperação das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro contra a facção Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha, na capital fluminense.
Entre os mortos, estão quatro policiais, segundo informações da Polícia Civil. Há também registros de policiais e moradores baleados.
A operação envolveu 2,5 mil agentes das forças de segurança do Rio de Janeiro para cumprir cem mandados de prisão em uma área de 9 milhões de metros quadrados.
A ação foi classificada pelo governador do Rio, Cláudio Castro (PL), como “a maior operação das forças de segurança do Rio de Janeiro”, e faz parte da Operação Contenção, uma iniciativa permanente do governo do Rio em combate à expansão do Comando Vermelho.
“Essa operação teve início com o cumprimento de mandados judiciais e uma investigação de mais de um ano e planejamento feito há mais de 60 dias”, afirmou o governador em coletiva de imprensa nesta manhã.
“Uma operação do Estado contra narcoterroristas, porque as pessoas que fazem isso que fazem são narcoterroristas.”
Participam da operação policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE), de batalhões da capital e da Região Metropolitana, além de equipes da CORE e de todas as delegacias especializadas da Polícia Civil.
O governo do Estado também disse que foram apreendidos 72 fuzis durante a operação, além de uma grande quantidade de drogas.
Crédito, AFP via Getty Images
Entre os presos, estão lideranças do Comando Vermelho que atuam no tráfico de drogas na região. Um deles é Thiago do Nascimento Mendes, conhecido como Belão. Ele teve a prisão anunciada durante a coletiva por Castro.
Nicolas Fernandes Soares, apontado como operador financeiro de um dos chefes do tráfico, também foi preso.
Os confrontos entre policiais e traficantes acontecem majoritariamente em áreas de mata, segundo o governador, mas há tentativas de criminosos de fechar vias da região, como a Avenida Brasil.
Todos os batalhões do Rio de Janeiro estão em estado de alerta para possíveis retaliações.
Durante a manhã, os criminosos usaram drones para lançar bombas e atacar policiais. Também foram vistos fugindo em fila indiana da Vila Cruzeiro durante a operação.
Barricadas com veículos queimados também foram montadas por criminosos em diversos locais da cidade em represália à operação policial.
Em função dos bloqueios, o Centro de Operações e Resiliência (COR) do Rio elevou o estágio operacional da cidade para o nível 2, de uma escala de 5.
A Polícia Militar colocou em resposta todo seu efetivo nas ruas, suspendendo todas as atividades administrativas.
O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) pediram nesta terça-feira explicações do governador do Rio de Janeiro sobre a operação policial, considerando, entre outros pontos, sua alta letalidade.
Os órgãos pediram que o governo de Cláudio Castro demonstre se não havia “meio menos gravoso” de atingir seus objetivos na segurança pública.
“[…] Esta Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e a Defensoria Pública do União solicitam a Vossa Excelência que informe detalhadamente de que forma o direito à segurança pública foi promovido, indicando as finalidades da operação, os custos envolvidos e a comprovação da inexistência de outro meio menos gravoso de atingir a mesma finalidade”, diz o ofício do MPF e da DPU.
O documento pede também que o governo fluminense demonstre ter seguido as deteminações do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 635, uma ação apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) questionando a letalidade policial em comunidades do Rio.
A ADPF (sigla para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) gerou um plano de redução da letalidade policial apresentado pelo governo do Rio ao STF. O plano foi aceito pelo Supremo em abril.
No ofício dessa terça, o MPF e a DPU pediram que o governo de Cláudio Castro esclareça e comprove que seguiu pontos previstos no plano, como o uso de câmeras corporais por policiais; a apresentação de uma justificativa formal para a operação; e a presença de ambulâncias nos locais afetados.
Em entrevista coletiva durante a tarde, Cláudio Castro chamou a ADPF de “maldita”, afirmando que a ação do STF limitou a ação policial, favorecendo criminosos.
Em nota conjunta, 27 organizações de direitos humanos, entre elas a Justiça Global, repudiaram a operação.
O texto qualifica a ação de “chacina” e diz que o episódio “inscreve-se em um longo e trágico histórico de matanças cometidas por forças policiais no Estado — apresentadas, equivocadamente, como política pública”.
“Ao longo dos quase 40 anos de vigência da Constituição Federal, o que se viu nas favelas fluminenses foi a consolidação de uma política de segurança baseada no uso da força e da morte, travestida de “guerra” ou “resistência à criminalidade”. Trata-se de uma atuação seletiva, dirigida contra populações negras e empobrecidas, que tem no sangue seu instrumento de controle e dominação”, prossegue o texto.
“Não há nela elementos que efetivamente reduzam o poderio das facções criminosas nos territórios. Pelo contrário: essas ações aprofundam a insegurança e o medo, instalam o pânico, interrompem o cotidiano de milhares de famílias, impedem crianças de ir à escola e impõem o terror como expressão de poder estatal. A morte não pode ser tratada como política pública.”
A organização Human Rights Watch criticou a atuação das forças de segurança do Rio. Em nota, o coordenador da entidade no Brasil, César Muñoz, afirmou que “uma operação policial que resulta na morte de mais de 60 moradores e policiais é uma enorme tragédia”.
“O Ministério Público deve instaurar investigações próprias e elucidar as circunstâncias de cada morte. Também deve apurar o planejamento e as decisões do comando da polícia e das autoridades do Rio que levaram a uma operação que foi um desastre”, continuou.
“A sucessão de operações letais que não resultam em maior segurança para a população, mas que na verdade causam insegurança, revela o fracasso das políticas do Rio de Janeiro. O Rio precisa de uma nova política de segurança pública, que pare de estimular confrontos que vitimizam moradores e policiais.”
Operação mais letal do Rio de Janeiro
A operação dessa terça-feira foi a mais letal já registrada desde 1990 na região metropolitana do Rio pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF).
Segundo o grupo de pesquisa, as três operações policiais mais letais documentadas ocorreram durante a gestão de Castro – além da atual, as outras duas foram a do Jacarezinho em maio de 2021, quando 27 civis e um policial morreram; e a da Penha em maio de 2022, quando 23 civis morreram.
De janeiro de 2007 a outubro de 2025, o Geni/UFF registrou 707 ações policiais com mortes na região metropolitana, que tiraram a vida de 2.905 civis e 31 policiais.
“Esses dados nos permitem constatar que as chacinas policiais são a regra e não a exceção no estado do Rio de Janeiro”, dizem os pesquisadores da UFF.
“Reiteramos que esta política de segurança pública centrada em operações policiais em favelas, além de implicar em altíssimos custos para a sociedade, há décadas vem se demonstrando ineficiente no controle do crime, incapaz de proporcionar a redução das ocorrências criminais e conter o avanço do controle territorial armado. A recorrência de incursões policiais armadas com tiroteios em territórios densamente povoados revela o descaso do Estado com a preservação de vidas negras e faveladas.”
Castro critica governo federal e diz que RJ está ‘sozinho’
O governador do Rio de Janeiro afirmou que o uso de “tecnologia, estratégia e inteligência” estavam sendo fundamentais para o sucesso da operação, mas criticou a ausência de apoio do governo federal.
“As nossas polícias estão sozinhas… infelizmente, mais uma vez, não temos auxílio nem de blindados nem de agentes das forças federais, de segurança ou de defesa. É o Rio de Janeiro completamente sozinho.”
O aparato tecnológico inclui dois helicópteros, 32 blindados terrestres, drones, 12 veículos de demolição do Núcleo de Apoio às Operações Especiais da PM.
Ao ser questionado sobre apoio do governo federal, Castro disse que teve três pedidos negados para que as Forças Armadas ajudassem em operações policiais no Estado.
A operação desta terça-feira, contudo, não teria contado com pedido, segundo o governador.
“Nós já entendemos que a política é de não é ceder. Falam que tem que ter GLO [Garantia da Lei da Ordem], que tem que ter isso, que tem que ter aquilo, que podiam emprestar o blindado e depois não podiam mais emprestar porque o servidor que opera o blindado é um servidor federal. O presidente já falou que ele é contra GLO. A gente entendeu que a realidade é essa”, disse.
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Em entrevista à TV Globo nesta manhã, o secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, Victor Santos, também disse que o Estado estava enfrentando a situação sozinho após ter ajuda negada pelo governo federal.
“No passado recente, a gente tentou conseguir isso, mas foi negado, e a gente não teve esse apoio do governo federal, das Forças Armadas, infelizmente”, disse.
“Estamos falando de 9 milhões de metros quadrados de desordem urbana, com becos intransitáveis, casas irregulares e criminosos que dominam o território. É impossível enfrentar isso apenas com o efetivo do Estado.”
“Sozinho ninguém consegue fazer nada. São quase 1.900 favelas no Rio de Janeiro. Nós somos o quarto menor Estado, mas o terceiro mais populoso. 600 fuzis apreendidos na mão de criminosos. É um diagnóstico muito ruim do Rio de Janeiro. E o Estado vem fazendo esse papel de combate sozinho há anos. É importante, sim, que o Estado, a prefeitura e a União sentem à mesa, sem ideologia”, completou o secretário.
Lewandowski diz que não recebeu pedido de ajuda
Em coletiva de imprensa realizada na tarde desta terça-feira, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse não ter recebido nenhum pedido de ajuda do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, e que nunca negou apoio ao Estado.
“Não recebi nenhum pedido do governador do Rio de Janeiro para esta operação, nem ontem, nem hoje, absolutamente nada…Nenhum pedido do governador Cláudio Castro até agora foi negado”, destacou.
O ministro está no Ceará para participar de uma cerimônia na Assembleia Legislativa.
Lewandowski pontuou que o governo federal tem ajudado o Rio de Janeiro de diversas formas, com fornecimento de armas, equipamentos e recentemente realizou transferência de líderes de facções para penitenciárias de segurança máxima. Mas ressaltou que “a responsabilidade é dos governadores no que diz respeito à segurança dos respectivos estados”.
O ministro da Justiça classificou a operação no Rio de Janeiro como “bastante cruenta” e disse que combate à criminalidade se faz com planejamento.
“Eu estou aqui à distância, tenho acompanhado pelos jornais, foi uma operação bastante cruenta, segundo notícias…lamentavelmente morreram agentes de segurança pública e, pior ainda, pessoas comuns, inocentes. É de se lamentar isso.”
“Eu queria enfatizar que o combate à criminalidade, seja ela comum ou organizada, se faz com planejamento, inteligência, coordenação das forças de segurança.”
Segundo publicado pela coluna Mônica Bergamo, Lewandowski disse que Castro deveria “assumir suas responsabilidades” ou admitir que não tem condições de constrolar a segurança do Estado.
“Se ele sentir que não tem condições, ele tem que jogar a toalha e e pedir GLO ou intervenção federal.Ou ele faz isso, se não conseguir enfrentar, ou vai ser engolido pelo crime.”
Crédito, Reuters
Em nota enviada à BBC News Brasil, o Ministério da Justiça e Segurança Pública informou que tem atendido a todos os pedidos do governo do Estado do Rio de Janeiro para o emprego da Força Nacional no Estado, em apoio aos órgãos de segurança pública federal e estadual.
“Desde 2023, foram 11 solicitações de renovação da FNSP [Força Nacional de Segurança Pública] no território fluminense. Todas acatadas”, destacou.
O orgão ainda disse que mantém atuação no Estado do Rio de Janeiro desde outubro de 2023, por meio da Força Nacional de Segurança Pública. A operação segue vigente até 16 de dezembro de 2025 e pode ser renovada.
‘Operação que mata 60 pessoas não é inteligente e efetiva’
A operação realizada nesta terça-feira foi critica por organizações da sociedade civil. Para a coordenadora de Comunicação da ONG Movimentos, Isabelly Damasceno, não é possível considerar que a ação da polícia tenha sido bem-sucedida.
“Infelizmente as operações policiais violentas no Rio de Janeiro não são uma novidade para nós, que vivemos na periferia, mas não podemos naturalizar uma operação que matou mais de 60 pessoas. Essa estratégia do governo não pode ser vista como política de segurança, é uma política de extermínio. Uma operação que precisa matar 60 pessoas não é uma ação inteligente e nem efetiva”, destacou.
“A narrativa do governo faz acreditar que essa é uma ação de inteligência, bem-sucedida, porque vão divulgar o número de fuzis apreendidos, os mais de 80 presos. Mas é preciso questionar se uma operação que foi planejada há 60 dias contava em assassinar 60 pessoas. Será que não temos uma falha?.”
A ONG Movimentos é uma organização que pauta política de drogas no Rio de Janeiro e busca fortalecer o protagonismo da juventude periferica na luta contra a desigualdade.
Para Damasceno, é importante considerar os impactos da operação na vida da população, que teve acessos restritos nesta terça-feira e “acordou em meio a tiroteios”.
“É uma desumanização total das pessoas que vivem nas periferias, que estão sendo impedidas de ir à escola, de andar em segurança, de voltar para suas casas. Como ficam os trabalhadores? Estamos falando de uma série de violações de direitos. Essa política proibicionista de drogas é cada vez mais violenta e menos efetiva.”
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Comando Vermelho
O Comando Vermelho (CV) é a maior facção do Rio de Janeiro e, junto com o Primeiro Comando da Capital (PCC), está entre uma das maiores facções do país.
A facção surgiu dentro do sistema prisional do Rio de Janeiro, sendo criada no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, por integrantes da antiga Falange Vermelha, que durante a década de 70 lutavam pelo fim da tortura e por melhores condições.
O CV surgiu sob o lema “Paz, Justiça e Liberdade”, mas com o tempo se transformou em uma organização de crime organizado com foco no tráfico de drogas.
Na virada dos anos 70 para os anos 80, com o Brasil entrando na rota internacional da cocaína, o Comando Vermelho aproveitou o contexto para expandir seu poder.
Atualmente, embora continue fortemente atuante no Rio e nas prisões cariocas, a facção se expandiu nacionalmente e tem ramificações em diversos estados e até mesmo no exterior.
No Rio de Janeiro, não há uma liderança principal. Cada um dos líderes comanda uma área específica.
Reportagem publicada pelo O Globo em 2024 mostrou que nos últimos anos, o Comando Vermelho tomou controle ou influência em dezenas de localidades no Rio de Janeiro que até 2017 não tinham registros de domínio criminoso organizado.
Um levantamento do jornal identificou 89 localidades em 23 km² de expansão — equivalente a três vezes o tamanho de Copacabana.
Essa ofensiva não visa apenas o tráfico de drogas. A facção exerce uma espécie de “governança paralela” com controle territorial, imposição de regras e até apropriação de funções sociais e econômicas como o controle de serviços de internet, TV, gás, transporte alternativo — práticas que antes eram características das milícias.