Lula veta 63 pontos do PL do licenciamento ambiental sob pressão

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou com vetos, nesta sexta-feira (8), o projeto de lei que trata de mudanças no licenciamento ambiental. O petista barrou 63 dos quase 400 dispositivos, entre eles a licença autodeclaratória para atividades de médio impacto, regras para a Mata Atlântica e disposições que limitavam a participação de órgãos como Funai e Fundação Palmares. Foram 26 vetos simples e outros 37 vetos em que o governo apresenta uma redação alternativa.

Entre os trechos barrados, está a proposta de licença por adesão e compromisso (LAC) de 5 a 10 anos para atividades de médio impacto, que permitia autodeclaração sem análise técnica. Além disso, também foi vetada a previsão de que a Licença Ambiental Especial (LAE) só passaria a valer seis meses após a sanção — com a MP editada pelo governo, essa modalidade entra em vigor imediatamente.

De acordo com o governo, os vetos visam preservar a integridade do processo de licenciamento, garantir segurança jurídica e proteger os direitos de povos indígenas e quilombolas. Ao mesmo tempo, a gestão petista entende que o texto mantém mecanismos de agilidade para empreendimentos estratégicos

Para corrigir lacunas geradas pelos vetos, o governo enviou ao Congresso um novo projeto com urgência constitucional e editou uma medida provisória que torna imediatamente válida a Licença Ambiental Especial (LAE), antes prevista para entrar em vigor em seis meses 

A proposta que visa alterar as regras do licenciamento ambiental no Brasil tem gerado reação de entidades ambientais, cientistas e movimentos sociais. Em contrapartida, a medida vinha sendo defendida pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e setores da indústria.

Uma reunião ministerial foi realizada nesta quinta-feira (7) para fechar consenso sobre os principais pontos a serem vetados. Também ocorreram algumas tratativas com os congressistas, mas as chances de acordo eram pequenas.

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O que diz o projeto de lei do licenciamento ambiental

Aprovado no Congresso em julho, o texto estabelece novos parâmetros para o licenciamento de empreendimentos potencialmente poluidores, flexibilizando exigências e criando o chamado “licenciamento autodeclaratório” em determinadas situações.

O texto tramitou por mais de duas décadas no Congresso e, segundo seus defensores, estabelece um marco legal que busca equilibrar o desenvolvimento sustentável com maior previsibilidade e segurança jurídica nos processos de licenciamento. Durante a votação, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), destacou que o relator Zé Vitor (PL-MG) atendeu a cerca de 70% das demandas do governo federal, fruto de negociação até os momentos finais. Afirmou ainda que houve esforço para construir uma proposta de consenso e interesse nacional. Questionado pela Gazeta do Povo, o Ministério do Meio Ambiente não comentou a declaração.

Já para os críticos, o projeto de lei significa um retrocesso nas políticas de proteção ambiental e abre brechas perigosas para a degradação de biomas como a Amazônia e o Cerrado.

De um lado, o governo tem reiterado compromisso com a agenda ambiental, sobretudo para manter o Brasil em negociações climáticas e atrair recursos de fundos verdes internacionais. A gestão petista tem sido pressionada por ambientalistas e ONGs a se opor ao texto, pois eles consideram que o PL trata de “retrocesso”. O texto foi, inclusive, apelidado por eles de “PL da Devastação”.

De outro, o Planalto enfrenta cobranças de aliados do Centrão e da base do agro no Congresso – favoráveis ao texto -, que pedem coerência com o discurso de desenvolvimento e geração de empregos.

Interlocutores do governo já sinalizavam que o veto parcial seria um cenário provável, retirando do texto os pontos considerados mais polêmicos pelo Executivo.

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Principais pontos da proposta aprovada visam licenciamento eficiente e célere 

Entre as mudanças centrais previstas no novo marco legal sobre o licenciamento ambiental está a adoção de critérios proporcionais ao risco ambiental. A proposta estabelece que empreendimentos com alto potencial de impacto continuarão sujeitos a instrumentos rigorosos de avaliação, como o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).

Já as atividades de baixo risco ambiental poderão ser submetidas a procedimentos simplificados, com menos exigências burocráticas e maior celeridade no licenciamento. 

Outro ponto relevante é a formalização, em âmbito nacional, da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Essa modalidade permite que, nos casos previamente definidos em regulamentos, o empreendedor obtenha a licença mediante autodeclaração e cumprimento de requisitos técnicos e legais, sem necessidade de análise individual prévia pelo órgão ambiental. A LAC já é aplicada com sucesso em alguns estados e passa a ter previsão expressa na legislação federal. 

O projeto de lei também estabelece prazos máximos para que os órgãos ambientais se manifestem sobre os pedidos de licenciamento, medida que visa combater a morosidade nos processos e evitar paralisações indefinidas de empreendimentos por falta de decisão administrativa.

Além disso, o texto busca resolver um problema crônico do atual sistema: a disputa de competências entre União, estados e municípios. Com regras mais objetivas, a proposta pretende reduzir a judicialização e os conflitos sobre quem deve conduzir o licenciamento em cada caso. 

Por fim, o projeto mantém a exigência de manifestação técnica em casos que envolvam áreas ambientalmente e culturalmente sensíveis, como terras indígenas, comunidades quilombolas, unidades de conservação e patrimônios históricos e culturais. A intenção, segundo os defensores da proposição, é garantir que essas regiões continuem protegidas sob critérios técnicos, sem flexibilizações indevidas.

A decisão de Lula de vetar pontos centrais do projeto pode tensionar ainda mais a relação do governo com o Congresso, especialmente com a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e líderes do Centrão, que pressionavam pela sanção integral do texto.

Dessa forma, há a possibilidade de que os vetos sejam derrubados em sessão do Congresso Nacional, já que o projeto foi aprovado com ampla maioria nas duas Casas. O movimento é visto como um teste de força entre o Planalto e a base do agro, e pode gerar efeitos colaterais em outras votações de interesse do governo, sobretudo em um momento de fragilidade política e disputas por espaço na Esplanada.

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O que defende a bancada do agro

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) ainda não se posicionou sobre os vetos do governo, mas informou que “o conteúdo será analisado detalhadamente” para conhecer as alterações. Em comunicado à imprensa, a frente reforçou que os relatórios do Senado e da Câmara “são frutos de amplo diálogo e da representativa adesão do Congresso Nacional”.

Anteriormente, a FPA afirmou que o projeto traz segurança jurídica e agilidade aos empreendedores, especialmente do agronegócio, construção civil e infraestrutura. A bancada sustenta que o atual modelo de licenciamento é burocrático, travando investimentos e impedindo a execução de obras essenciais para o país.

“O licenciamento ambiental no Brasil virou uma ferramenta de veto ideológico e atraso. Precisamos modernizar esse processo, sem abrir mão da responsabilidade”, disse o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, em entrevista recente.

A FPA defende que o texto aprovado mantém o poder dos estados e municípios na regulamentação de procedimentos e não impede a realização de estudos de impacto ambiental quando for necessário. O argumento central é que a simplificação dos processos não significa destruição ambiental, mas racionalização administrativa.

Governo sofreu pressão de ambientalistas

Nas últimas semanas, atos públicos, campanhas nas redes sociais e manifestações de ONGs cobraram do governo federal o veto integral ao projeto – o que não ocorreu nesta sexta-feira (8). Organizações – como o Observatório do Clima, o Greenpeace Brasil e o Instituto Socioambiental – afirmaram que a proposta, na prática, desmonta o sistema de licenciamento ambiental construído nas últimas décadas.

“Esse projeto coloca em risco não apenas o meio ambiente, mas a vida de comunidades inteiras que vivem em áreas afetadas por grandes obras. Ele legaliza a irresponsabilidade”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

Além da mobilização social, pesquisadores, ex-ministros do Meio Ambiente e representantes de povos indígenas assinaram cartas e manifestos enviados ao Palácio do Planalto pedindo que Lula barre o avanço do texto.

Em nota pública, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que o projeto representa uma desestruturação significativa do regramento ambiental, é uma afronta ao artigo 225 da Constituição e viola o princípio de proibição ao retrocesso ambiental, consolidado na jurisprudência brasileira.

O ministério destacou ainda que o texto é omisso sobre a crise climática, tornando o licenciamento ambiental incompatível com os compromissos do Acordo de Paris e a meta de desmatamento zero até 2030, defendida pelo presidente Lula.

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