A promessa de Trump e uma vitória para Putin: o saldo da reunião na Casa Branca até agora para a guerra na Ucrânia
Crédito, Kevin Lamarque/Reuters
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- Author, Frank Gardner*
- Role, Correspondente de Segurança da BBC
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Questionado por jornalistas sobre uma mensagem ao povo ucraniano, o presidente americano disse “eu amo eles”.
O encontro se iniciou com uma breve conversa entre Zelensky e Trump no salão Oval, em frente às câmeras, passando depois para algumas perguntas de jornalistas antes deles se sentarem com mais sete líderes europeus.
Parte da reunião foi transmitida ao vivo para todo o mundo. Por isso, foi possível concluir que o presidente russo, Vladimir Putin, já saiu com ao menos uma vitória.
Trump disse não acreditar que um cessar-fogo seja necessário para o fim da guerra, uma reversão de sua posição anterior às conversas com Putin na sexta-feira no Alasca.
“Estrategicamente, isso [um cessar-fogo] pode ser uma desvantagem para um dos lados”, disse Trump a jornalistas.
Isso é música para os ouvidos de Putin. O líder russo insiste há muito tempo que somente um acordo de paz abrangente nos termos de Moscou deve vir primeiro, seguido de um cessar-fogo.
Trump também prometeu garantias de segurança para a Ucrânia, algo com que Putin havia concordado no encontro de sexta. Mas não ficou claro de que forma essa proteção seria garantida, se liderada pela Otan, ou se poderá contar com outro envolvimento americano.
“Acredito que as nações europeias vão assumir grande parte do fardo”, afirmou. “Vamos ajudá-las.”
O republicano também disse que planeja falar com Putin ainda nesta segunda. Está sobre a mesa a possibilidade de um encontro trilateral incluindo Putin, Trump e Zelensky.
Antes da reunião começar, ainda no salão Oval, Zelensky disse “obrigado” a Trump e ao governo americano seis vezes nos primeiros minutos em que falou.
Trump, por sua vez, agradeceu a Zelensky por estar nos EUA e disse que “progressos estão sendo feitos” para pôr fim à guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Ele disse que teve uma reunião “muito boa” com Putin e que há “uma boa possibilidade de que algo possa sair disso”.
O presidente ucraniano entregou então uma carta de sua esposa, Olena Zelenska, para a primeira-dama americana, Melania Trump, agradecendo a ela por seus esforços empenhados em trazer de volta para casa as crianças ucranianas mantidas na Rússia.
Zelensky foi questionado por jornalistas sobre quais garantias deseja dos EUA. O líder ucraniano disse que precisa de “tudo”, incluindo equipamentos e inteligência. No início da conversa, houve um momento descontraído em que Zelensky foi elogiado por um repórter por sua vestimenta — o mesmo jornalista que criticou o traje de Zelensky em fevereiro.
Como seriam as garantias de segurança à Ucrânia?
No cerne de qualquer futuro acordo de paz permanente entre a Ucrânia e a Rússia estará algum tipo de garantia de segurança visando dissuadir a Rússia de atacar a Ucrânia novamente.
Até agora, os EUA têm relutado em assumir qualquer compromisso nesse sentido, deixando a tarefa para a Grã-Bretanha e a França, com sua chamada “coalizão dos dispostos”. Mas comentários da Casa Branca sugerem que os EUA podem agora estar preparados para ajudar.
Então, que forma isso poderia assumir? Existem, em linhas gerais, quatro possibilidades:
- Tropas no local. Esta é considerada a menos provável. Donald Trump vê esta guerra como um problema da Europa, algo que “nunca teria acontecido se ele estivesse no poder”. Para ele, enviar tropas terrestres, mesmo em uma função de manutenção da paz, para um conflito que profundamente o desagrada, seria uma grande reviravolta.
- Patrulhas aéreas e marítimas. Isso é mais concebível. A Força Aérea dos EUA já opera voos de vigilância sobre o Mar Negro e outros lugares para monitorar o curso desta guerra. Mas é claro que há uma enorme diferença entre um voo de reconhecimento ou patrulha marítima sem confronto, e um que esteja preparado para se envolver em um confronto armado com uma potência nuclear como a Rússia.
- Inteligência. A inteligência aérea e por satélite dos EUA provou ser vital para ajudar a Ucrânia a conter o avanço das forças invasoras russas. No caso de um acordo de paz firmado por todas as partes, esta é uma área em que os EUA provavelmente ficariam felizes em ajudar.
- Logística. Qualquer que seja a forma que a “força de segurança” liderada pelo Reino Unido e pela França eventualmente adote no caso de um acordo de paz, ela precisará de muito apoio logístico. Embora o governo Trump tenha indicado que está buscando reduzir sua presença militar na Europa, esta é uma área não letal na qual Washington provavelmente ficaria feliz em ajudar.
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A expectativa é que a reunião desta segunda seja mais crucial para o futuro da Ucrânia — e para a segurança de toda a Europa — do que foi a cúpula entre Trump e Putin, na sexta-feira passada, no Alasca.
Pouco antes do encontro, o presidente finlandês, Alexander Stubb, foi visto chegando à embaixada ucraniana em Washington, D.C. para uma “reunião preparatória” com Zelensky.
Enquanto Trump, Zelensky e os líderes europeus se preparavam para o encontro, Putin se ocupava ligando para seus homólogos em outros países.
O líder russo fez uma chamada para Lula, Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, Narendra Modi, da Índia, e Emomali Rahmon, do Tajiquistão.
Segundo informações oficiais do Kremilin, Putin estava atualizando as outras lideranças sobre sua reunião no Alaska no fim de semana. Em nota, o Planalto afirmou que o líder russo avaliou o encontro como positivo.
“Após abordar os diversos temas discutidos com o presidente Trump, Putin reconheceu o envolvimento do Brasil com o Grupo de Amigos da Paz, iniciativa conjunta com a China”, disse o governo russo em nota.
Os líderes europeus estão determinados a incutir em Trump duas coisas.
Crédito, Kevin Lamarque/Reuters
Primeiro, que não pode haver acordo de paz para a Ucrânia sem o envolvimento direto da Ucrânia. E, segundo, que o acordo deve ser apoiado por garantias de segurança “rígidas”.
Acima de tudo, os líderes europeus querem que o presidente dos EUA veja a Ucrânia e a Europa como uma frente unida. E querem garantir que Trump não seja influenciado por sua óbvia afinidade pessoal com Vladimir Putin a ceder às exigências dos russos.
Nesse ponto, as habilidades diplomáticas do premiê britânico, Keir Starmer, serão testadas.
Trump gosta de Starmer e o ouve. E dentro de um mês Trump fará uma visita de Estado ao Reino Unido.
Ele também gosta de Mark Rutte, o secretário-geral da aliança militar Otan, que estará presente — e que às vezes é chamado de “Encantador de Trump”.
Para que um acordo de paz na Ucrânia tenha alguma chance de funcionar, alguém precisará ceder.
Líderes europeus têm dito frequentemente que as fronteiras internacionais não podem ser alteradas por força. Já Zelensky tem afirmado repetidamente que não abrirá mão de território e que a Constituição da Ucrânia proíbe isso.
No entanto, como me disse certa vez a ex-primeira-ministra da Estônia e agora vice-presidente da Comissão Europeia e mais alta diplomata do bloco, Kaja Kallas, uma vitória da Ucrânia nesta guerra não precisa ser pautada exclusivamente pela reconquista de territórios ocupados.
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Se a Ucrânia conseguir obter o tipo de garantia de segurança prevista pelo artigo 5 da Otan, suficiente para dissuadir qualquer futura agressão russa e salvaguardar sua independência como um Estado livre e soberano, isso já seria uma forma de vitória.
O Artigo 5 da Otan prevê que um ataque a um país-membro é considerado um ataque a todos.
Os EUA e a Rússia estariam discutindo agora uma proposta que, de forma geral, troca território ucraniano por garantias de segurança de que o país não precisará ceder mais à Rússia.
Mas ainda há muitas dúvidas.
A Ucrânia poderia aceitar um acordo que encerra a guerra, mas lhe custa território — especialmente quando tantos milhares de ucranianos morreram tentando protegê-las?
Se lhe for pedido que ceda os 30% restantes da região de Donetsk que a Rússia ainda não ocupou, isso deixaria o flanco oeste, em direção a Kiev, perigosamente exposto?
E quanto à tão alardeada “Coalizão dos Dispostos” de Starmer — o que eles fariam pela Ucrânia?
As conversas anteriores sobre o envio de dezenas de milhares de soldados para lutar na Ucrânia se dissiparam.
Agora, fala-se mais em “proteger os céus e os mares”, ajudando a Ucrânia a reconstruir seu exército.
Mas mesmo que a paz se estabeleça no campo de batalha, ainda estamos em território perigoso.
Todos os especialistas militares com quem conversei acreditam que, no momento em que os combates cessarem, Putin reconstituirá seu exército e fabricará mais armas para estar em condições de, talvez em apenas três ou quatro anos, conquistar mais território.
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O que os EUA e a Europa querem das negociações de paz?
Donald Trump quer ver o fim da guerra na Ucrânia.
Ele já obteve alguns sucessos este ano ao encerrar — ou pelo menos interromper — guerras no Cáucaso, no Irã e, possivelmente, entre a Índia e o Paquistão. Mas, até agora, um acordo de paz com a Ucrânia não lhe foi alcançado e ele tem oscilado entre jogar a culpa em Moscou e Kiev.
Ele ouviu sua base de apoio do MAGA e sabe que há pouca disposição para o apoio contínuo dos EUA a uma guerra que a Ucrânia não pode vencer. Mas, em parte devido à sua clara amizade pessoal com Putin, ele parece muito relutante em aplicar o tipo de pressão econômica sobre a Rússia que seus críticos dizem ser necessária para forçar Putin a parar de lutar.
Já os líderes europeus, principalmente os presentes em Washington nesta segunda, estão dolorosamente cientes de que a segurança da Ucrânia está inextricavelmente ligada à segurança mais ampla da Europa.
Os líderes europeus se opõem firmemente à ideia de uma fronteira internacional ser alterada à força, mas é exatamente isso que está sendo cogitado após a cúpula do Alasca e as visitas do enviado presidencial dos EUA, Steve Witkoff, à Rússia.
Por isso, os líderes reunidos na Casa Branca foram a Washington para demonstrar unidade com a Ucrânia e para convencer Trump de que não deveria haver acordo sem o envolvimento de Kiev. Além disso, esperam tentar proteger o presidente Zelensky de ser coagido a aceitar alguma proposta impossível que sua própria Constituição nacional não o permitirá aceitar.
Por outro lado, a Rússia quer toda a Donbass, enquanto a Ucrânia não quer abrir mão dela.
E qual será a forma dessa “garantia de segurança no estilo do Artigo 5” que está sendo potencialmente oferecida à Ucrânia? Terá o apoio incondicional dos EUA ou apenas uma promessa de intenção vagamente formulada?
No fim das contas, tudo se resume a isto: se for possível fechar um acordo que ponha fim a esta guerra aqui e agora, como o Ocidente coletivamente garante que ela não se repita no futuro?
*Com reportagem de Tom Bateman e Liza Fokht.