Bolsonaro condenado por golpe: a trajetória do ex-presidente, do sonho do Exército ao julgamento no STF
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Ele cresceu durante a ditadura, decidiu sair de Eldorado, no interior de SãoPaulo, pra entrar pro Exército e, 15 anos depois, sair das Forças Armadas para entrar na política.
O julgamento marca a primeira vez em que um ex-presidente e militares de alta patente foram julgados por atentar contra o Estado Democrático de Direito.
Relembre, a seguir, a trajetória de Bolsonaro, do sonho do Exército à condenação por golpe.
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O ingresso no Exército
O interesse de Bolsonaro pelas Forças Armadas começa em 1970, quando a pequena Eldorado (SP), onde a família Bolsonaro vivia, foi palco da caçada ao guerrilheiro Carlos Lamarca.
Na época um dos principais nomes da oposição armada à ditadura brasileira, Lamarca era um dos líderes da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
Chegou a ser capitão do Exército, mas desertou e foi expulso da corporação em 1969, quando já estava engajado na luta contra o regime. Participou de assaltos a bancos para financiar as atividades de seu grupo e comandou em 1970 o sequestro do embaixador suíço no Brasil, Giovanni Enrico Bucher, que foi trocado por 70 presos políticos.
Quando cruzou o Vale do Ribeira e passou por Eldorado, Lamarca era considerado inimigo número um dos militares.
Bolsonaro, então com 15 anos, acompanhou de perto a perseguição ao guerrilheiro, que envolveu um tiroteio na praça principal de Eldorado na qual Lamarca baleou dois policiais.
No período em que os soldados estiveram de tocaia na cidade, um deles chegou a dar a um panfleto sobre alistamento militar a Bolsonaro, que desde então passou a repetir que sonhava entrar para o Exército, como contou em entrevista à BBC News Brasil em 2019 João Evangelista, seu colega de colégio e parceiro de pescarias.
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Da caserna à política
A carreira militar de Bolsonaro durou cerca de 15 anos.
Em 1973, ele entrou na Escola Preparatória de Cadetes do Exército em Campinas, mas não se formou com a turma. No fim do mesmo ano, prestou concurso e foi aprovado para a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), a instituição que forma oficiais combatentes do Exército e tem sede em Resende (RJ).
A formação de Bolsonaro na Aman se estendeu entre 1974 e 1977, quando o Brasil vivia sob uma ditadura militar que tinha como pano de fundo a Guerra Fria, marcada pela competição entre duas ideologias, o capitalismo e o comunismo.
Essa dinâmica marcou profundamente a visão de mundo e a retórica das Forças Armadas, que com frequência faziam alusão a uma suposta “ameaça comunista” — ideia reproduzida nas falas de Bolsonaro durante toda sua trajetória.
No livro O Cadete e o Capitão, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho lembra que diversos dos professores que passaram pela Aman naquele intervalo foram oficiais que combateram a guerrilha do Araguaia, um movimento armado de resistência à ditadura e que pretendia implantar um regime socialista no país, fundado por membros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Maklouf faz referência a uma reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo em 2009 que traz um comentário sobre o assunto feito por Bolsonaro, então deputado federal: as aulas sobre combate aos guerrilheiros do PCdoB no sul do Pará teriam mostrado a ele e aos colegas as intenções “daquela cambada comunista”.
A formatura na Aman aconteceu em dezembro de 1977, quando, aos 22 anos, Bolsonaro foi declarado aspirante a oficial da artilharia e encaminhado para servir como oficial subalterno no 21º grupo de artilharia de campanha em São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Ele pediu transferência para Nioaque, no Mato Grosso do Sul, onde permaneceu de 1979 a 1982 e, de volta ao Rio, foi incorporado ao 8º grupo de artilharia de campanha paraquedista.
Em 1983, foi promovido a capitão, aos 28 anos.
Essa foi a maior patente que Bolsonaro alcançou no Exército. Ele seria transferido para a reserva cinco anos depois, em 1988, depois de protagonizar uma sucessão de polêmicas que o levaram à prisão e a um julgamento pelo Superior Tribunal Militar (STM).
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Cerca de um ano depois, viu-se envolvido em outra polêmica também em torno de um material publicado na revista Veja, desta vez uma reportagem que revelava um suposto plano para ataque a bomba a diversos quartéis no Rio.
O texto, que atribuía as informações a dois capitães do Exército — um deles Bolsonaro —, afirmava que o intuito não seria ferir ninguém, mas pressionar o governo a aprovar um reajuste salarial mais substancial para os militares.
Bolsonaro chegou a escrever contestando o relato da revista e dizendo que nunca havia conversado com a autora da reportagem. A revista, por sua vez, respondeu publicando desenhos que teriam sido feitos por Bolsonaro durante a entrevista para explicar o plano e apontado evidências de que o capitão conhecia a repórter.
O caso foi parar no Superior Tribunal Militar (STM), que, por um placar de 9 votos a 4, absolveu Bolsonaro. A justificativa apontada, conforme o documento compartilhado em O Cadete e o Capitão, seriam a “carência de prova testemunhal a confirmar as acusações” e a “contradição em quatro exames grafotécnicos”, que comprometeria “o valor da prova pericial” (no caso, os desenhos que teriam sido feitos por Bolsonaro).
As polêmicas deram projeção ao nome do então capitão e, em 1988, Bolsonaro decidiu se candidatar ao cargo de vereador no Rio de Janeiro pelo Partido Democrata Cristão (PDC), dando início à carreira na política.
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De deputado do baixo clero à Presidência
A passagem pelo legislativo carioca, contudo, foi curta. Também com um discurso de defesa dos interesses de militares, Bolsonaro foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro em 1990 e se mudou para Brasília.
Foram quase 30 anos como deputado, sete mandatos consecutivos.
Durante a trajetória no Legislativo federal, Bolsonaro ficou conhecido como um deputado do “baixo clero”, que não exerceu papel de liderança nos partidos políticos a que pertenceu, nunca assumiu cargos no governo federal ou posições de destaque na Câmara.
Com o tempo, contudo, foi se tornando conhecido por declarações polêmicas, sobre a comunidade LGBT, por exemplo, e por reiterados elogios ao período da ditadura militar.
Tornou-se mais popular especialmente a partir dos anos 2010, quando passou a aparecer na televisão com frequência reverberando as falas controversas em programas de variedade e humorísticos e começou a produzir conteúdo para a internet.
Foi através delas que o então candidato, que deu início à campanha com apenas 8 segundos diários de propaganda eleitoral na TV, conseguiu atingir a maior parte de seu eleitorado.
A corrida eleitoral de 2018 foi turbulenta. Favorito nas pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi preso em abril. Seu substituto na chapa, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, só foi formalmente indicado em setembro, a poucas semanas do primeiro turno.
No mesmo mês, Bolsonaro sofreu um atentado e levou uma facada enquanto participava de um ato de campanha em Juiz de Fora (MG).
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Reeleição frustrada, inelegibilidade e condenação
Também protagonizou embates com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, especialmente depois que Moraes se tornou relator, em 2019, do inquérito das fake news. Aberta por iniciativa do próprio Supremo, pelo ministro Dias Toffoli, a investigação mirava a veiculação de notícias falsas contra o STF.
A partir daí, a relação entre os dois passou por um tensionamento crescente. Moraes tomou decisões que contrariaram Bolsonaro, gerando uma insatisfação que o então presidente com frequência expressava publicamente, pelas redes sociais ou em manifestações com seus apoiadores.
O então presidente, porém, não reconheceu a derrota de imediato. Fez o primeiro pronunciamento mais de 40 horas depois de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) confirmar o resultado, o que não é praxe entre candidatos derrotados.
Seus apoiadores bloquearam rodovias pelo país e depois seguiram para a porta de quartéis pelo país para pedir uma intervenção militar que revertesse o resultado das urnas e reconduzisse o presidente derrotado ao poder.
Um dos maiores acampamentos organizados nesse período foi em Brasília, de onde, em 8 de janeiro de 2023, uma semana após a posse de Lula, partiu uma multidão que invadiu as sedes do Legislativo, Executivo e Judiciário. Depois de deixar um rastro de destruição na Praça dos Três Poderes, a tentativa de golpe foi contida pela polícia.
Sem cargo eletivo pela primeira vez em mais de 30 anos, Bolsonaro passou a ser investigado em diversas frentes.
Uma delas levou à sua inelegibilidade em 2023. Em uma ação proposta pelo PDT, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se debruçou sobre um episódio em 2022, durante a campanha eleitoral, em que o então presidente reuniu dezenas de diplomatas estrangeiros no Palácio da Alvorada e fez uma apresentação divulgando notícias falsas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas e teorias sem comprovação sobre a legitimidade das eleições.
Em 2024, foi indiciado três vezes. A primeira foi em março, no âmbito do inquérito que apurava suposta fraude em cartões de vacinação da covid-19 — caso que foi posteriormente arquivado.
Em novembro veio o indiciamento por suspeita de tentativa de golpe de Estado. Foi esse o caso que levou o ex-presidente à condenação. Ele se tornou réu em fevereiro de 2025 e em julho, depois do uma operação de busca e apreensão em sua casa em Brasília, passou a ser monitorado com uma tornozeleira eletrônica.
O juiz Alexandre de Moraes, autor da ordem, justificou a medida cautelar como uma ação para evitar que Bolsonaro influenciasse as investigações em andamento ou fugisse do país.
Bolsonaro havia conversado com o filho e senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) pelo viva voz enquanto Flávio estava diante de manifestantes em Copacabana e apareceu na tela do celular do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) enquanto este discursava na avenida Paulista.
Eduardo Bolsonaro (PL-SP) licenciou-se do cargo de deputado federal e foi para os Estados Unidos em março.