China retalia EUA com taxa de 84% enquanto Europa reage a tarifaço de Trump
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A China anunciou nesta quarta-feira (09/04) retaliação ao tarifaço explosivo do presidente americano, Donald Trump, impondo taxa de 84% sobre todos os produtos americanos a partir de quinta-feira.
A União Europeia também reagiu, impondo tarifas sobre alguns produtos importados dos EUA, que entrarão em vigor em 15 de abril.
As novas tarifas de Trump sobre as importações de cerca de 60 países entraram em vigor nesta quarta. A China foi a mais afetada, com um aumento na taxa de 34% para 104%.
Antes de anunciar a taxa de 84%, o governo chinês já havia prometido “lutar até o fim” e declarado que “nunca aceitará a natureza de chantagem dos EUA”.
Na terça, o presidente americano disse que está em negociação com outros países sobre tarifas. “As nações que realmente tiraram vantagem de nós agora estão dizendo por favor negociem”, disse.
Trump também afirmou que não está considerando uma pausa em novas tarifas para permitir as negociações. O Brasil foi incluído entre os países na menor alíquota extra de importação (10%).
A tarifa vai encarecer produtos brasileiros comprados por empresas e consumidores americanos, mas com impacto bem menor do que outras nações, como Índia (26%), Japão (24%) e União Europeia (20%).
Tarifas da UE serão implementadas em 3 fases
As novas tarifas que a UE anunciou sobre os Estados Unidos afetarão 20,9 bilhões de euros (R$ 135,3 bilhões) em mercadorias.
Elas devem ser implementadas em três fases, com a primeira fase entrando em vigor na terça-feira da próxima semana, sobre € 3,9 bilhões em produtos que os EUA vendem para países da União Europeia.
Um mês depois, em 15 de maio, outros € 13,5 bilhões em mercadorias serão impactados, seguidos por mais € 3,5 bilhões a partir de 1º de dezembro.
Essas tarifas são uma resposta aos impostos de importação de 25% que o presidente Trump impôs sobre todo o aço e alumínio e entraram em vigor em meados de março. Elas se aplicavam tanto à UE quanto ao resto do mundo.
A demora na retaliação mostra como a política comercial da UE não consegue avançar tão rapidamente quanto a dos EUA, pois todos os 27 estados-membros precisam votar sobre quaisquer novas tarifas.
No entanto, em sua declaração anunciando as tarifas, a UE deixou claro que “essas contramedidas podem ser suspensas a qualquer momento, caso os EUA concordem com uma solução negociada, justa e equilibrada”.
A confirmação de quais produtos a UE está mirando é esperada nas próximas 24 horas.
Bolsas de valores em queda
Diante da perspectiva de entrada em vigor do tarifaço, bolsas de valores em vários países da Ásia e também na Austrália abriram em queda:
Nikkei 225 (Japão) -2,6%
Kospi (Coreia do Sul) -0,8%
Hang Seng (Hong Kong) -1,2%
ASX 200 (Australia) -1,2%
Custos para gigantes americanas
Com a nova tarifa, muitas empresas americanas que importam produtos chineses verão seus custos dobrarem em questão de meses.
Natalie Sherman, repórter de Negócios da BBC News em Nova York, lembra que Trump já respondeu à retaliação com enormes ameaças de escalada semelhantes antes.
O americano ameaçou atingir o álcool da Europa com um imposto de 200%. E de colocar uma tarifa de 50% sobre o aço e o alumínio do Canadá.
Em ambos os casos, os dois lados chegaram a uma espécie de distensão e os aumentos nunca se materializaram.
Mas esses confrontos envolveram aliados de longa data. A China foi alvo de Washington antes de Trump.
E apesar dos sinais claros da Casa Branca de que está interessada em fechar um acordo sobre tarifas e o TikTok, Pequim ainda não demonstrou muito interesse em negociar.
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Análise*: como uma guerra comercial EUA-China afetaria o restante do mundo?
Uma guerra comercial em grande escala entre China e EUA está em vista após o presidente Donald Trump ameaçar impor tarifas de mais de 100% sobre as importações de produtos chineses a partir de quarta-feira, 9 de abril.
O que esse conflito comercial crescente significa para a economia mundial?
Os efeitos colaterais de uma guerra comercial total entre China e EUA seriam sentidos globalmente — e a maioria dos economistas avalia que o impacto seria extremamente negativo.
O comércio de bens entre as duas potências econômicas chegou a cerca de US$ 585 bilhões no ano passado. Os EUA importaram muito mais da China (US$ 440 bilhões) do que a China importou dos americanos (US$ 145 bilhões).
Isso resultou em um déficit comercial dos EUA com a China — a diferença entre o que importa e exporta — de US$ 295 bilhões em 2024. Um déficit considerável, equivalente a cerca de 1% da economia americana.
Mas é bem menor do que o US$ 1 trilhão que Trump repetidamente afirmou nesta semana.
Trump já havia imposto tarifas significativas à China em seu primeiro mandato. Essas tarifas foram mantidas e até ampliadas por seu sucessor, Joe Biden.
Juntas, essas barreiras ajudaram a reduzir a participação das importações chinesas no total de importações dos EUA, de 21% em 2016 para 13% no ano passado.
Portanto, a dependência comercial dos EUA em relação à China diminuiu na última década.
No entanto, analistas apontam que algumas exportações chinesas para os EUA foram redirecionadas por países do sudeste asiático.
Por exemplo, o governo Trump impôs tarifas de 30% sobre painéis solares chineses em 2018.
Mas, em 2023, o Departamento de Comércio dos EUA apresentou evidências de que fabricantes chineses haviam transferido suas operações de montagem para países como Malásia, Tailândia, Camboja e Vietnã, enviando os produtos prontos para os EUA a partir desses locais — na prática, driblando as tarifas.
As novas tarifas “recíprocas” a serem impostas a esses países, portanto, aumentarão o preço nos EUA de uma ampla gama de produtos que, no fim, têm origem na China.
Mas, afinal, o que EUA e China importam um do outro?
Em 2024, a maior categoria de exportações dos EUA para a China foi a soja — usada principalmente para alimentar os cerca de 440 milhões de porcos do país.
Os EUA também exportaram produtos farmacêuticos e petróleo para a China.
No sentido oposto, da China para os EUA, foram grandes volumes de eletrônicos, computadores e brinquedos. Uma quantidade significativa de baterias, essenciais para veículos elétricos, também foi exportada.
A maior categoria de importações dos EUA da China são smartphones, representando 9% do total. Muitos desses aparelhos são fabricados na China para a Apple.
As tarifas dos EUA sobre a China têm sido uma das principais responsáveis pela queda no valor de mercado da Apple nas últimas semanas, com suas ações caindo 20% no último mês.
Todos esses produtos importados da China pelos EUA já estavam prestes a ficar consideravelmente mais caros para os americanos devido à tarifa de 20% já imposta pelo governo Trump.
Com a tarifa subindo para 104% — para todos os produtos — o impacto pode ser cinco vezes maior.
E as importações americanas na China também ficarão mais caras devido às tarifas de retaliação chinesas, prejudicando os consumidores chineses de forma semelhante.
Além das tarifas, há outras formas de os dois países tentarem se prejudicar mutuamente no comércio.
A China tem um papel central no refino de muitos metais vitais para a indústria, desde cobre e lítio até terras raras.
Pequim poderia colocar obstáculos à chegada desses metais aos EUA — algo que já fez com dois materiais chamados germânio e gálio, usados pelas forças armadas em mapeamento térmico de imagens e radar.
Já os EUA poderiam tentar apertar o bloqueio tecnológico à China iniciado por Joe Biden, dificultando a importação de microchips avançados — essenciais para aplicações como inteligência artificial — que a China ainda não consegue produzir sozinha.
Peter Navarro, assessor comercial de Donald Trump, sugeriu esta semana que os EUA poderiam pressionar outros países, como Camboja, México e Vietnã, a não comercializar com a China se quiserem continuar exportando para os EUA.
Os EUA e a China representam uma fatia tão grande da economia global — cerca de 43% este ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Se entrarem em uma guerra comercial total, desacelerando seu crescimento ou até entrando em recessão, isso provavelmente prejudicaria economias de outros países na forma de um crescimento global mais lento.
O investimento global também sofreria.
A China é a maior nação manufatureira do mundo e produz muito mais do que sua população consome internamente.
Já tem um superávit comercial de quase US$ 1 trilhão — ou seja, exporta mais bens do que importa.
E muitas vezes produz esses bens abaixo do custo real de produção, graças a subsídios domésticos e apoio financeiro estatal, como empréstimos baratos para empresas favorecidas.
O aço é um exemplo disso.
Há o risco de, se esses produtos não puderem entrar nos EUA, empresas chinesas tentarem “dumping” em outros mercados.
Embora isso possa beneficiar alguns consumidores, também pode prejudicar produtores locais em outros países, ameaçando empregos e salários.
O grupo de lobby UK Steel já alertou para o perigo de excesso de aço sendo redirecionado para o mercado britânico.