Como Trump deixou Tarcísio entre Bolsonaro e economia de SP

0

Desde o anúncio de Donald Trump que aumenta a tarifa de importação dos Estados Unidos de produtos brasileiros para 50%, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), vem tentando se posicionar entre os interesses de aliados políticos, de sua base eleitoral e do setor produtivo da maior economia brasileira. Esses interesses, entretanto, não estão necessariamente alinhados e estão forçando o mandatário paulista a transitar com certa destreza para não perder seu capital político para as eleições de 2026.

Tarcísio é o governador presidenciável mais alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — Ratinho Junior (PSD-PR), Romeu Zema (Novo-MG) e Ronaldo Caiado (União-GO) completam a lista de nomes que se colocaram à disposição para a disputa. Além de ex-ministro da Infraestrutura, Tarcísio deve em boa medida ao seu padrinho político a subida ao Palácio dos Bandeirantes em 2022, e por isso não se furta em estar ao lado dele em manifestações na Avenida Paulista ou na defesa de pautas caras aos apoiadores de Bolsonaro. Dessa vez, mesmo com o ex-presidente da República como mais um elemento no centro da decisão de Trump, a defesa aos interesses dele não foi irrestrita.

Em um primeiro momento, Tarcísio direcionou as críticas da sobretaxa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao ministro Fernando Haddad, mas logo arrefeceu o tom para dialogar com o setor produtivo. Apesar de ter se encontrado com o Bolsonaro no dia seguinte ao anúncio do tarifaço, foi pragmático ao dizer que a tarifa é “deletéria” à economia paulista e que é necessário “abrir diálogos”, deixando questões políticas e ideológicas de lado.

Para defender a economia de São Paulo, ignorou a família Bolsonaro e se reuniu com representante dos Estados Unidos para iniciar negociações que mitiguem os impactos da sobretaxa ao estado que exporta aos EUA 31,9% de tudo o que o Brasil produz — no primeiro semestre deste ano, São Paulo exportou US$ 6,4 bilhões ao país norte-americano. Além disso, Tarcísio colocou os interesses do setor produtivo acima de uma eventual anistia ao ex-presidente Bolsonaro.

Veja abaixo como Tarcísio de Freitas foi das críticas a Lula à defesa irrestrita da economia paulista:

9 de julho – Críticas ao presidente Lula

  • Donald Trump divulga carta para o Brasil anunciando tarifa de 50% para produtos importados brasileiros
  • Tarcísio de Freitas ataca o presidente Lula e diz que ele “colocou sua ideologia acima da economia, e esse é o resultado”. “A responsabilidade é de quem governa”, acrescenta.

10 de julho – Tarifaço é “deletério” e encontro com Bolsonaro

  • Tarcísio fala que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisa “falar menos e fazer mais”. Ao mesmo tempo, ele classifica o tarifaço como “deletério” e que é preciso “sentar à mesa, deixar de lado as questões ideológicas, deixar de lado as questões políticas, deixar de lado o revanchismo, as narrativas e trabalhar.”
  • Governador de São Paulo cancela agenda oficial e viaja para Brasília para se encontrar com o ex-presidente Jair Bolsonaro.

11 de julho – Diálogo com os EUA

  • Tarcísio se reúne com encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil e afirma que vai “abrir diálogo com as empresas paulistas, lastreado em dados e argumentos consolidados, para buscar soluções efetivas”. “É preciso negociar.” 

12 de julho – São Paulo acima de questões políticas

  • Perguntado sobre a proposta de ampla anistia em troca do fim do tarifaço, o governador paulista disse que “neste momento, eu tenho que olhar para o estado de São Paulo” e que “existem interesses que precisam ser preservados, interesses das nossas empresas, dos nossos produtores”. Ele sugere que “o momento demanda união de esforços” e que é preciso “estar de mãos dadas para resolver, deixar a questão política de lado.”

VEJA TAMBÉM:

  • São Paulo Exportações EUA

    Quanto a maior economia do Brasil sofrerá com tarifaço de Trump

Eduardo Bolsonaro se coloca entre Tarcísio de Freitas e setor produtivo

O aceno de Tarcísio para o setor produtivo gerou críticas de um dos principais articuladores para o tarifaço de Trump: Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente. O deputado federal licenciado, que está vivendo nos Estados Unidos, não gostou que o governador paulista tenha se encontrado com um representante norte-americano para abrir negociações.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, Eduardo Bolsonaro afirmou que “querer buscar uma alternativa lateral é um desrespeito comigo”. Além disso, disse que Tarcísio “não tem nada que querer costurar por fora uma decisão” e que “tem que entender que o filho do [ex-]presidente [Bolsonaro] está nos Estados Unidos e tem acesso à Casa Branca.”

Nesta terça-feira (15), o deputado federal licenciado voltou a criticar o governador paulista: “se você estivesse olhando para qualquer parte da nossa indústria ou comércio, estaria defendendo o fim do regime de exceção que irá destruir a economia brasileira e nossas liberdades”. “Mas como, para você, a subserviência servil às elites é sinônimo de defender os interesses nacionais, não espero que entenda”, prosseguiu.

O posicionamento do filho do ex-presidente encontrou pouco eco no setor produtivo paulista, que vem defendendo o caminho da diplomacia como solução para o tarifaço. A Federação da Agricultura e da Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp) cobrou uma postura “mais ativa nas mesas de negociação, fortalecendo canais de diálogo permanentes com os EUA”. Por sua vez, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) pediu “bom senso” e que “a diplomacia e as negociações equilibradas prevaleçam”.

O ex-presidente da Fiesp, Paulo Skaf, foi um dos representantes da indústria na reunião que o governador paulista convocou no Palácio dos Bandeirantes, na manhã desta terça-feira (15), com a presença de pelo menos 20 empresários de setores mais impactados com a sobretaxa, como aviação, aço, suco de laranja e café. Também participou o encarregado de negócios da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, Gabriel Escobar, o mesmo que encontrou Tarcísio na última sexta-feira (11).

Durante a reunião, o governador de São Paulo ouviu as demandas dos empresários e afirmou que buscará formas de reduzir as tarifas, incluindo a conversa com governadores de estados norte-americanos na tentativa de pressionar Trump a rever a posição do país. O representante dos EUA na reunião também se comprometeu a levar as demandas à Casa Branca.

VEJA TAMBÉM:

  • Tarcísio de Freitas vai galgando degraus rumo a 2026.

    Missão Bolsonaro nos EUA? Suposto pedido de Tarcísio vira representação na PRG e ação no STF

Tarifaço tem potencial de propulsar Tarcísio para 2026

Tarcísio de Freitas é, hoje, o candidato favorito da direita para enfrentar Lula em 2026, de acordo com pesquisas de intenção de voto que vêm sendo publicadas desde o início deste ano. No entanto, o governador paulista não declarou publicamente que deverá concorrer a presidente, ainda como um sinal ao seu padrinho político, que está inelegível, mas que busca um caminho para participar do pleito do ano que vem.

Pelo capital político que angariou nos últimos anos, Tarcísio se tornou uma espécie de para-raio nesse episódio do tarifaço de Trump. A opinião dele, independente do público, ganhou mais notoriedade do que a de outros governadores presidenciáveis. Esperava-se um posicionamento do governo paulista que não foi exigido com a mesma ênfase de outros mandatários, como Ratinho Junior, Romeu Zema e Ronaldo Caiado.

O conflito com o filho de Jair Bolsonaro deixa Tarcísio de Freitas cada vez mais próximo do eleitor de centro-direita e mais distante do eleitorado de Bolsonaro, que já nutre certa resistência ao governador paulista, que nunca abraçou cegamente o mesmo discurso de seu padrinho na política. Ao acenar ao setor produtivo e aos interesses de São Paulo, Tarcísio vai mais ao centro pensando em 2026, mas ainda sem conseguir se desgarrar de Bolsonaro.

“Os movimentos estratégicos dele, de ainda querer brindar o padrinho político e render agradecimentos a ele, o coloca numa situação de um movimento mais para centro. É o potencial nome para enfrentar o presidente Lula e precisa se colocar num caráter menos polarizado e parar de dialogar com essa narrativa que é prejudicial para ele no setor produtivo”, avalia o cientista político Samuel de Oliveira.

O tarifaço, aliás, pode servir de ponto de passagem para o governador paulista. Ao encampar a negociação com os EUA, a depender do resultado, terá mais elementos para se colocar como representante da direita no ano que vem. Um eventual acordo com o governo de Donald Trump colocaria Tarcísio como um personagem central na defesa dos interesses econômicos não só de São Paulo, mas de todo o Brasil.

“O Tarcísio tem interesse de se tornar uma liderança política e ter um plano de governo de fato. E ele vai querer salvar a família Bolsonaro ou fazer o lado dele?”, questiona Oliveira, que ressalta que o governador paulista tem o presidente do PSD, Gilberto Kassab, como grande aliado e estrategista. “Ele acaba tendo uma força política muito maior por trás, com Kassab e outros partidos, do que Bolsonaro”, complementa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *