EUA x Venezuela: os cenários avaliados pelo governo Lula em caso de ataque americano ao país sul-americano
Crédito, Reuters
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- Author, Leandro Prazeres
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
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Tempo de leitura: 5 min
A escalada de tensão entre Estados Unidos e Venezuela — com repetidas ameaças de um ataque militar direto feitas pelo presidente americano, Donald Trump — traz ao governo do Brasil os temores de uma crise humanitária na fronteira e de caos no país vizinho, segundo fontes ouvidas pela BBC News Brasil.
Na terça-feira (16/12), o presidente Donald Trump anunciou, em suas redes sociais, que o país imporia um bloqueio naval sobre navios petroleiros que enfrentam sanções internacionais.
“A Venezuela está completamente cercada pela maior armada jamais reunida na história da América do Sul. E ela vai apenas ficar maior e o choque sobre eles (Venezuela) será como algo que eles nunca viram antes”, disse Trump em uma postagem terça-feira (16/12).
Na semana passada, os Estados Unidos anunciaram a apreensão de um navio petroleiro venezuelano.
A possibilidade de a Venezuela entrar em um caos social generalizado após uma queda repentina do presidente Nicolás Maduro é um dos fatores que estariam impedindo os Estados Unidos, ao menos por enquanto, de dar início a uma ação militar direta ao território venezuelano.
Essa é a avaliação de parte do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segundo uma fonte ouvida pela BBC News Brasil em caráter reservado.
Este cenário, diz este membro do governo brasileiro, seria semelhante ao que aconteceu na Líbia e no Iraque após as quedas de Muamar Khadafi e Saddam Hussein, respectivamente.
Os dois países enfrentaram guerras civis após a derrubada dos dois ditadores após ações militares dos Estados Unidos, no caso do Iraque (em 2006), de uma coalizão entre norte-americanos e países europeus, no caso da Líbia (em 2011).
Ainda de acordo com essa fonte, esse temor explica, em parte, a estratégia adotada pelos Estados Unidos nos últimos dias.
Em vez de dar início a uma ofensiva amparada nos navios e aeronaves militares à disposição no Mar do Caribe, os Estados Unidos passaram a focar sua ação contra a Venezuela em uma tentativa de sufocar o país financeiramente, dificultando a exportação de petróleo, principal fonte de renda do país.
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A preocupação de Lula com a situação na Venezuela fez com que o presidente abordasse o assunto diretamente com Donald Trump durante as duas últimas conversas que os dois mantiveram por telefone.
A mais recente aconteceu na terça-feira (2/12).
Nesta quarta-feira, Lula mencionou a conversa com o líder americano e disse que tentou sensibilizar Trump sobre os possíveis efeitos negativos de uma intervenção militar no país.
“Eu falei com o presidente Trump: ‘O poder da palavra pode valer mais do que o poder da arma’. Custa menos e demora menos se a gente tiver disposição de fazer. Eu disse ao Trump: ‘Se você tiver interesse em conversar com a Venezuela corretamente, nós temos como contribuir.’ Agora, é preciso ter vontade de conversar, é preciso ter paciência”, afirmou Lula.
A fala de Lula refletiu uma preocupação do governo brasileiro sobre um eventual conflito na Venezuela.
Segundo um interlocutor do presidente Lula, a pressão americana ainda não foi de “0 a 100 quilômetros por hora”, mas as ações do país no Mar do Caribe geram uma tensão contínua sobre o país vizinho.
O governo brasileiro teme que uma ação militar norte-americana no país cause instabilidade na Veneuzuela e leve a uma nova crise humanitária na fronteira, em Roraima, causada pelo aumento repentino de imigrantes venezuelanos que podem querer fugir do país vizinho.
Desde o agravamento da situação social e econômica no país, em 2018, o Brasil montou uma operação de assistência humanitária para receber imigrantes venezuelanos. Chamada de “Operação Acolhida”, a ação já recebeu mais de 125 mil imigrantes.
Segundo um interlocutor do presidente Lula, uma queda repentina de Maduro poderia gerar um vácuo de poder momentâneo e não estaria claro que forças políticas teriam condições de liderar o país no dia seguinte.
Essa preocupação também fez com que Lula mantivesse uma conversa telefônica com Nicolás Maduro na semana passada.
Foi o primeiro contato direto entre os dois desde 2024, quando o país realizou eleições presidenciais e Maduro foi anunciado como presidente reeleito, mas cujo resultado o Brasil ainda não reconheceu.
Uma pessoa com conhecimento do teor da conversa disse à BBC News Brasil que o governo brasileiro não se ofereceu para mediar a crise, mas a avaliação no Palácio do Planalto é de que o Brasil estaria bem posicionado para fazê-lo uma vez que, agora, mantém contato direto com os líderes tanto da Venezuela quanto dos Estados Unidos.
Ainda segundo essa fonte, o governo brasileiro não chegou a oferecer ou a discutir a possibilidade de asilo político a Nicolás Maduro.
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Ataques a barcos e bloqueio
A operação militar dos EUA no Caribe começou em agosto deste ano com o envio de forças aéreas e navais, incluindo um submarino nuclear e aeronaves de reconhecimento, segundo autoridades americanas.
Em setembro, os militares norte-americanos deram início a ataques aéreos a barcos que navegavam na costa do país sul-americano sob o pretexto de combater o tráfico de drogas.
Estima-se que pelo menos 80 pessoas já tenham sido mortas nestes ataques.
O governo norte-americano alega que o governo da Venezuela é responsável pelo envio de drogas para o território americano, acusação rebatida por Nicolás Maduro.
Agora, a operação reúne porta-aviões, navios do tipo destroyer, e navios de assalto anfíbios capazes de desembarcar milhares de soldados.
Imagens de satélite identificaram pelo menos seis embarcações militares na região no início de dezembro.
O porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior da Marinha americana, estava a cerca de 120km ao sul da República Dominicana no final de novembro, a aproximadamente 700 quilômetros da costa venezuelana.
Em meados de novembro, o navio foi avistado mais a leste, a cerca de 201km ao sul de Porto Rico, território dos EUA no Caribe, e depois navegou para o sul rumo à República Dominicana.
Com mais de 330 metros de comprimento, o USS Gerald R. Ford opera em um grupo de ataque acompanhado de navios de apoio.
A tensão entre os dois países fez com que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonio Guterres, pedisse, nesta quarta-feira, uma “desescalada imediata” da crise após uma conversa por telefone com Nicolás Maduro.
Em um comunicado divulgado sobre a conversa, a ONU disse que Guterres pediu “contenção” para “preservar a estabilidade regional”.