Lisa Cook: diretora do banco central americano vai desafiar Trump na Justiça após ordem de demissão
Crédito, Reuters
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- Author, Stuart Lau
- Role, BBC News
- Author, Peter Hoskins
- Role, Repórter de Negócios, BBC News
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O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou na segunda-feira (25/08) que demitiria imediatamente Lisa Cook, diretora do Federal Reserve (Fed) — em uma grande escalada em sua batalha contra o banco central americano.
Em resposta, o advogado de Cook anunciou nesta terça-feira (26/08) que a funcionária vai abrir um processo na Justiça contra a ordem de Trump, anunciada na rede social do republicano.
“O presidente Trump não tem autoridade para remover a diretora do Federal Reserve, Lisa Cook”, disse o advogado Abbe David Lowell.
Trump argumentou que haveria “motivos suficientes” para acreditar que Cook deu informações falsas em um contrato imobiliário pessoal e citou poderes constitucionais que, segundo ele, permitiriam ao presidente demiti-la.
Antes de anunciar o processo contra a decisão de Trump, Cook já havia afirmado que Trump não tem autoridade para demiti-la e que ela não renunciaria.
“O presidente Trump alegou ter me demitido ‘por justa causa’ quando não há justa causa prevista em lei, e ele não tem autoridade para fazê-lo”, disse Cook em um comunicado.
“Não vou renunciar. Continuarei a cumprir minhas obrigações para ajudar a economia americana, como tenho feito desde 2022”, acrescentou.
A demissão de um membro da cúpula do banco central dos EUA pelo presidente é uma ação sem precedentes nos EUA e ocorre em um momento em que Trump vem pressionando cada vez mais o Fed — especialmente seu presidente, Jerome Powell — pelo que ele considera uma relutância em reduzir as taxas de juros.
Cook é um dos sete membros do Conselho de Governadores do Fed e, neste cargo, integra o comitê de 12 membros responsável por definir as taxas de juros nos EUA.
Ela votou, juntamente com Powell e a maioria dos membros do comitê, pela manutenção das taxas de juros americanas na última reunião do Fed, no final de julho.
Ela foi nomeada pelo antecessor de Trump, o democrata Joe Biden, em 2022, e é a primeira mulher negra a ocupar o cargo.
Cook disse à BBC na semana passada que soube das acusações pela imprensa e que o caso está relacionado a um pedido de hipoteca feito por ela quatro anos atrás, antes de ingressar no banco central.
“Não tenho intenção de ser intimidada a deixar meu cargo por causa de algumas questões levantadas em um tuíte”, afirmou, acrescentando que está “reunindo informações corretas para responder a quaisquer perguntas legítimas e apresentar os fatos”.
Nesta terça-feira, o Fed se pronunciou sobre o caso em nota.
“O Congresso, por meio da Lei do Federal Reserve, determina que os diretores exerçam mandatos longos e fixos e possam ser destituídos pelo presidente apenas ‘por justa causa'”, afirmou o banco.
“Mandatos longos e proteções contra a destituição de servem como uma salvaguarda vital, garantindo que as decisões de política monetária sejam baseadas em dados, análises econômicas e nos interesses de longo prazo do povo americano.”
Sobre o processo judicial planejado por Cook contra Trump, o banco afirmou que “”acatará qualquer decisão judicial”.
Como surgiram as acusações feitas por Trump contra Cook
Crédito, Getty Images
Em sua rede social, Trump publicou uma carta endereçada a Cook na qual a informou sobre sua decisão de removê-la do conselho de diretores, com efeito imediato.
Ele também aventou repetidamente a possibilidade de demitir Powell.
De acordo com a carta de Trump, Cook teria assinado um documento atestando que um imóvel em Michigan seria sua residência principal pelo próximo ano.
“Duas semanas depois, você assinou outro documento para um imóvel na Geórgia, afirmando que seria sua residência principal pelo próximo ano”, disse o presidente.
“É inconcebível que você não estivesse ciente de seu primeiro compromisso ao assumir o segundo”, escreveu ele.
O presidente já havia pedido a renúncia de Cook na semana passada, após a acusação de fraude hipotecária exposta por Bill Pulte, chefe da Agência Nacional de Financiamento Habitacional dos EUA e aliado de Trump, à procuradora-geral Pam Bondi.
Pulte instou o Departamento de Justiça a investigar a denúncia. Não está claro se uma investigação foi aberta.
A situação pode desencadear um impasse entre o banco central e a Casa Branca.
O Fed conquistou a independência do governo dos EUA em 1951.
Trump tem expressado crescente animosidade contra Powell, chamando-o de “idiota” e “imbecil teimoso” por não apoiar os apelos do presidente por cortes rápidos e significativos nas taxas de juros.
Mas, na semana passada, Powell aumentou as expectativas de que haverá um corte na taxa de juros em setembro.
Em entrevista a banqueiros reunidos em Jackson Hole, Wyoming, ele também argumentou que o impacto inflacionário das tarifas de Trump pode ser temporário.
O dólar americano se desvalorizou em relação às principais moedas mundiais no mercado asiático nesta terça, com os investidores apostando que um substituto de Cook provavelmente pressionaria por mais cortes nas taxas de juros.
Já os mercados europeus abriram em leve queda após a decisão de Trump, enquanto aumentou o rendimento dos títulos do governo dos EUA, emitidos para levantar recursos.
“A questão-chave para os mercados é: se Trump conseguir substituir Cook, ele poderia reformular a composição do Fed. Como isso impactarua a percepção do mercado sobre a capacidade de investimento nos EUA?”, disse Julia Lee, da empresa de dados financeiros FTSE Russell, à BBC.
Shoki Omori, estrategista-chefe do banco japonês Mizuho, destacou as preocupações com a pressão que Trump vem exercendo sobre Powell nas últimas semanas.
“Powell parece estar reagindo, mas quem vier a seguir pode simplesmente ouvir o que a Casa Branca quiser. Não parece nada bom.”