Trump taxa produtos do Brasil: quais setores mais perdem com novas tarifas de importação
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O anúncio de tarifas de 50% a produtos brasileiros nos Estados Unidos — feito em carta enviada por Donald Trump a Luiz Inácio Lula da Silva na quarta-feira (9/7) — acontece em um momento em que o Brasil batia recorde de exportações aos EUA, mesmo diante de tarifas americanas que já estão em vigor contra produtos brasileiros desde abril.
A Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) — entidade sediada no Brasil que reúne empresas brasileiras e americanas com atuação nos dois países — divulgou no mês passado que as exportações brasileiras para os EUA atingiram US$ 16,7 bilhões no acumulado dos primeiros cinco meses desse ano.
Issa representa um aumento de 5% em relação ao mesmo período de 2024 e estabelece um recorde para o período.
Segundo a Amcham Brasil, esse recorde de exportações brasileiras reforça “o papel estratégico dos EUA como principal destino de bens industrializados brasileiros”.
O Brasil também comprou mais dos EUA nesse período. As compras somaram US$ 17,7 bilhões — um aumento de 9,9% em relação a 2024. Ainda assim, o Brasil teve prejuízo na relação comercial — o que contradiz Trump, que em sua carta fala que os EUA têm “déficits comerciais insustentáveis” com o Brasil.
Nesses meses, houve um aumento nas tensões comerciais — com o anúncio de diversas tarifas por Trump, e temores de uma guerra comercial generalizada no mundo.
A Amcham notou que mesmo com aumento de tarifas, Brasil e EUA continuaram comprando e vendendo mais produtos nesse período, batendo um novo recorde.
“Mesmo em um cenário mais desafiador, o comércio bilateral tem se mostrado resiliente, com crescimento consistente nas trocas entre os dois países. Isso reforça o papel do Brasil como parceiro estratégico para atender às demandas da indústria e dos consumidores norte-americanos — e vice-versa”, disse Abrão Neto, presidente da Amcham Brasil.
Agora o Brasil se vê diante da possibilidade de tarifas de 50% sobre todos seus produtos exportados aos EUA a partir de 1º de agosto.
O valor definido por Trump contra o Brasil é maior entre todas as taxas anunciadas nesta segunda leva do “tarifaço”.
Desde a segunda-feira (7/7), o presidente americano tem enviado cartas a países anunciando as novas tarifas que entram em vigor em agosto. Tirando a taxa aplicada ao Brasil, os valores variam de 20% (Filipinas) a 40% (Laos e Mianmar).
Setores ameaçados
Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), hoje há 3.662 empresas americanas com investimentos no Brasil e 2.962 empresas brasileiras com presença nos EUA.
A CNI estima que, em 2024, a cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano foram gerados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil.
Entre janeiro e maio, 79% das exportações brasileiras para os EUA foram compostas por bens industriais, como aeronaves, combustíveis, alimentos processados, químicos e máquinas — alguns deles de alto valor agregado, segundo dados da Amcham.
Os produtos que tiveram maior aumento nas exportações foram carne bovina (alta de 196%), sucos de frutas (96,2%), café (42,1%) e aeronaves (27%).
Segundo a câmara de comércio, esses produtos conseguiram manter a competitividade no mercado dos EUA mesmo diante de ameaça de tarifas. A entidade atribuiu isso à competitividade brasileiras, mas também a um aumento de demanda nos EUA e questões climáticas que tem afetado a produção doméstica americana, especialmente no caso de carnes e sucos.
Dados da Agência Brasil indicam que setores brasileiros que mais exportam para os EUA são de petróleo bruto, minério de ferro, aço, máquinas, aeronaves, produtos eletrônicos, além de açúcar, café, suco de laranja e carne. Empresas brasileiras com grandes vendas aos EUA incluem Embraer e Petrobras.
Com relação à Embraer, o banco BTG Pactual observa, em relatório publicado nesta segunda-feira (10/7), que, se a tarifa adicional de 50% sobre a produção brasileira for de fato implementada, isso será, inevitavelmente, uma má notícia para a fabricante de aviões, que tem 60% de suas vendas totais destinadas aos EUA.
No cálculo do banco, o aumento de 10% nas tarifas teria um impacto de cerca de US$ 78 milhões (R$ 432 milhões) nos custos da Embraer. Com a alta de 50%, o efeito deve ser muito maior, impactando as margens da empresa, diz o BTG.
Segundo o banco, na aviação comercial, o impacto da alta de tarifas pode resultar em repasses de preços aos compradores, já que a aeronave E1 da Embraer não possui substituto direto no mercado americano.
Já na aviação executiva, os jatos Phenom são montados integralmente na Flórida, mas com motores que vêm do Canadá (representando cerca de 15% da aeronave), enquanto as aeroestruturas (cerca de 40%) são fabricadas no Brasil.
Já os jatos Praetor são montados no Brasil e representam cerca de 65% das vendas de aviação executiva da Embraer.
O Itaú BBA estima que uma tarifa de 50% poderia implicar um aumento de preços de 25% para os clientes de aviação comercial da Embraer, o que potencialmente levaria a adiamentos nas entregas ou cancelamentos de pedidos.
Com isso, a Embraer pode ter perda de receitas, ou de margem, se optar por absorver parte do custo das tarifas mais altas.
Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, avalia, por outro lado, que o impacto para a Embraer pode ser menor do que o mercado está esperando.
“Diferentemente de commodities, nas quais é possível substituir fornecedores por alternativas de países como Colômbia ou México, no setor aeronáutico há poucos produtores com escala global. E a Embraer está entre eles. A leitura de que ela será diretamente atingida ignora esse contexto logístico e estratégico”, escreve Cruz.
Ele lembra que a Embraer tem 383 aeronaves encomendadas por companhias americanas, e essas entregas não podem simplesmente ser realocadas para Boeing ou Airbus, já que ambas estão com linhas de produção comprometidas até 2030.
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Alguns setores já tiveram retração nas vendas para os EUA com a tarifa de 10% — e podem sofrer ainda mais caso se concretize a nova tarifa de 50%.
É o caso de celulose, ferro-gusa e equipamentos de engenharia. A Amcham atribui isso às tarifas de até 10% e também à concorrência de países com acesso preferencial aos EUA — como o Canadá.
Outros setores da indústria brasileira já vem sofrendo com tarifas de 50%. É o caso do aço e alumínio, que passaram a ser taxados com essa alíquota no mês passado.
Entre janeiro e maio, houve aumento de volume e valor exportado — 7,3% e 28,4% respectivamente — de aço semiacabado. Mas analistas dizem que já é possível observar que pode estar havendo um declínio nos embarques aos EUA e ainda aguardam para observar os efeitos das tarifas sobre o aço e o alumínio.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) prevê “muitos prejuízos” caso haja uma quebra na relação comercial entre Brasil e EUA.
Segundo a entidade, quem mais deve sofrer é o setor de insumos produtivos, que representam 61,4% das exportações e 56,5% das importações brasileiras.
“Brasil e Estados Unidos sustentam uma relação econômica robusta, estratégica e mutuamente benéfica alicerçada em 200 anos de parceria. Os EUA são o 3° principal parceiro comercial do Brasil [atrás da China e União Europeia] e o principal destino das exportações da indústria de transformação brasileira”, diz nota da CNI.
“Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida desse tamanho, elevando as tarifas sobre o Brasil do piso ao teto. Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano”, disse Ricardo Alban, presidente da CNI.
A CNI diz que os EUA mantêm superávit com o Brasil há mais de 15 anos, e que o Brasil é um dos poucos países em que a balança comercial é favorável aos EUA.
A Confederação também alega que a tarifa real de importação do Brasil a produtos americanos era de 2,7% em 2023 — cerca de um quarto da tarifa nominal de 11,2% assumida no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).